Ordm; LIVRO - ENTRE A TERRA E O CÉU 5 страница

 

4a R E U N I Ã O

 

(Fonte: Capítulos XVII a XXII.)

 

1. O caso Esteves - Clarêncio, ajudando Mário Silva a firmar-se de novo sobre os pés, perguntou-lhe: "Por que razão te afeiçoaste à can­tora, com tamanho desvario? porque não atendeste aos avisos da cons­ciência, que, decerto, te rogava não despertasses o ódio naquele que te aniquilaria o corpo físico?" Apresentando a expressão de um louco, Mário desferiu uma gargalhada e, com a ajuda do Ministro, que lhe afa­gava a cabeça para reavivar-lhe a memória, relatou que saíra de Assun­ção com o espírito irremediavelmente desiludido, ao ser traído e des­prezado por Lina Flores, sua amiga e esposa, sua esperança e razão de ser... Lina, que era descendente de uma das famílias de Mato Grosso aprisio­nadas pelo inimigo, na invasão de dezembro de 1864, fora conhe­cida por ele em casa de respeitável família que a adotara por filha. O período de namoro fora um sonho... "Ah! quando lhe fitava os olhos claros e doces, sentia-me transportado a céus imensos...", relembrou o enfer­meiro, cujo nome, na época, era Esteves. Em janeiro de 1869, com apoio do Marquês de Caxias, aproveitando um momento de trégua, eles se casa­ram. Viviam então tranqüilos, como duas aves entrelaçadas no mesmo ninho, até que a apresentou a seus companheiros Armando e Júlio. Lina e eles se fizeram íntimos em pouco tempo. Toda folga eles a passavam em sua casa, como verdadeiros amigos, unidos por sincera confiança... Um dia, porém, de retorno a casa, Esteves encontrou Lina e Júlio abraça­dos um ao outro, como se o tálamo conjugal lhes pertencesse. Não que­rendo acreditar no que via, interpelou a mulher amada, mas Lina ati­rou-lhe no rosto o mais frio desprezo, afirmando rudemente que não po­dia amá-lo, senão como irmã que se compadecesse de um companheiro ne­cessitado. O casamento fora feito simplesmente para fugir às humi­lhações que experimentava numa terra estrangeira... Envergonhado, Es­teves saiu de Assunção, mas era então uma pessoa diferente. A segu­rança do caráter que cultivara, brioso, fora abalada nos alicerces... Viciou-se, con­fiou-se ao álcool e ao jogo. De militar responsável, desceu à condição de aventureiro infeliz... Foi nesse estado que en­controu Lola e Leo­nardo, não hesitando em exterminar-lhes a felici­dade.... (Cap. XVII, págs. 106 a 108)

 

2.Armando surge em cena - O Ministro, aproveitando uma pausa feita por Mário Silva, indagou-lhe se nunca mais havia recebido notícias de Lina. Exibindo sarcástico sorriso, Mário informou que três meses de­pois de sua saída do lar, Lina igualmente traíra a confiança de Júlio, que, de volta a casa, encontrou-a certo dia nos braços de Armando. "Menos forte que eu mesmo" -- informou o enfermeiro, -- Júlio esque­ceu-se do revés com que me dilacerara, semanas antes, e, cego de ab­sorvente afeição, ingeriu grande dose de corrosivo... Socorrido a tempo, na caserna, conseguiu sobreviver, mas, incapaz de suportar os males corpóreos decorrentes da intoxicação, depois de alguns dias em­bebedou-se deliberadamente e arrojou-se às águas do Paraguai, aniqui­lando-se, enfim..." Nada mais soubera acerca de Lina e Armando... "Sou um poço de fel. Não posso modificar-me... Haverá paz sem justiça e ha­verá justiça sem vingança?", indagou aquele que fora Esteves. Cla­rêncio, com sua voz calma, considerou, generoso: "E' necessário esque­cer o mal, meu amigo. Sem aquela atitude de perdão, recomendada pelo Cristo, seremos viajores perdidos no cipoal das trevas de nós mesmos. Sem amor no coração, não teremos olhos para a luz". Nesse ponto, Amaro mostrou-se singularmente renovado; seu veículo espiritual parecia ha­ver regredido no tempo; revelava-se mais leve e mais ágil e sua face impressionava pelos traços juvenis. Quando o viu de rosto metamorfose­ado, Mário bradou entre o ódio e a angústia: "Armando! Ar­mando!... Pois és tu? O Amaro que hoje detesto é o mesmo Armando de ontem? onde me encontro? enlouqueci, porventura?!..." Não fora pre­ciso, explicou Clarêncio, grande esforço para que Amaro regredisse no tempo. O sofri­mento reparador conferiu-lhe à mente e à sensibilidade recursos novos. Amaro (o mesmo Armando à época da guerra do Paraguai) procurava esten­der braços amigos ao adversário, mas este re­cuou, de repente, gritando em desespero: "Não, não! não te acerques de mim! não me provoques, não me provoques!..." O Ministro interpôs-se e pediu-lhes calma; depois, dirigindo-se ao enfermeiro, disse que agora era indispensável que Amaro falasse, porque a justiça, em qualquer so­lução, deve apreciar todas as partes interessadas. Mário então calou-se, preparando-se para ouvir o relato de seu antigo companheiro Ar­mando. (Cap. XVII, págs. 109 e 110)

 

3. O relato de Amaro - Amaro, cujo semblante era agora de um jovem, contou que a madrugada do Ano Novo de 1869 ficou marcada para sempre em sua memória. Vindo de Santo Antônio, eles deve­riam atacar a capi­tal, Assunção, mas a expectativa era angustiosa. Ele, Esteves e Júlio eram amigos inseparáveis na caserna. Na incerteza do que iria suceder, Esteves pediu-lhes, na hipótese de morrer em com­bate, notificar sua morte à jovem Lina Flores, que conhecera, dias an­tes, em Villeta, re­portando-se com entusiasmo ao amor que os ligava e aos seus projetos futuros. A capital paraguaia estava, porém, fatigada e desprevenida e em breve todos puderam comemorar, risonhos, a vitória. Semanas depois, Esteves comunicou-lhes o consórcio com Lina. Na verdade, ninguém podia casar-se em campanha, mas o enlace efetuou-se às ocultas, sob a bênção de um sacerdote e com a tolerância dos dirigentes da ocupação, de vez que a noiva era uma pobre menina brasileira, desde muito aprisionada. Em fevereiro do mesmo ano, ele e Jú­lio foram pela primeira vez em vi­sita ao lar de Esteves. Colocados à frente de Lina, ambos se sentiram, porém, incompreensivelmente liga­dos àquela jovem bela e simples, cuja presença exerceu sobre os dois intraduzível atração. Júlio foi tomado por surda paixão, enquanto ele, em respeito a Esteves, tentou retrair-se. Júlio insinuou-se junto à recém-casada, cobrindo-a de gentilezas, e Lina acabou envolvendo-se nas atenções do rapaz, fazendo-lhe con­cessões. "Recordo-me do dia em que Esteves me procurou, desolado, co­mentando o golpe que recebera...", relatou Amaro. "Chorou debruçado nos meus ombros. Desejava desapare­cer, aniquilar-se... Fiz-lhe obser­var, porém, a inoportunidade de qualquer violência..." (Cap. XVIII, págs. 111 e 112)

 

4.O suicídio de Júlio - Enfermeiro bem conceituado e protegido do Conselheiro Silva Paranhos, não foi difícil para Esteves sua saída de Assunção, e assim se deu. Ele afastou-se, primeiramente rio abaixo, na direção de Villeta, onde deveria prestar assistência a alguns soldados enfermos... "Nada mais soube dele -- informou Amaro, -- a não ser que havia morrido misteriosamente em Piraju..." Agoniado em extremo com tais recordações, Mário estremeceu e bradou, indagando de Amaro qual fora sua participação no infortúnio de seu lar. Quem garantiria que ele não estivera de parceria com Júlio? Clarêncio interveio, afe­tuoso, recomendando a Mário esperar a narração até o fim. Amaro man­teve a calma, e continuou: "Sim, minha confissão deve ser exata e com­pleta... Entendendo que Lina e Júlio se haviam ajustado para a vida comum, ten­tei distanciar-me... Temia por mim mesmo". "A princípio, tentei evitá-la; contudo, o afastamento do Marquês de Caxias deixava as tropas com larga provisão de tempo para diversões...", acrescentou Amaro, que, com isso, passou a freqüentar-lhes a casa, noi­tes e noites seguidas, para jogar e tomar chá. O sentimento que a moça lhe despertava o as­sustava e, por isso, receando o assédio de Lina, re­solveu dedicar-se mais ao trabalho, passando a servir na vigilância noturna do Palacete Resquin, onde a ocupação concentrava todos os as­suntos e documentos de interesse de nosso País. Lina, porém, não de­sistiu do propósito que a animava e, certa noite, procurou-o, disfar­çada em mulher do povo, con­fessando-se atormentada por uma louca pai­xão... Amaro fez breve pausa e continuou: "Quem poderá explicar os enigmas do coração humano? quem possuirá bastante visão para surpreen­der os caminhos da alma? Incapaz de dominar-me, cometi a falta de as­sumir um compromisso espiritual que não me competia... Lina agarrou-se ao meu afeto com o vigor da hera numa construção sem defesa... E foi assim que, em certa manhã de maio, meu companheiro encontrou-nos jun­tos..." Amaro relatou, na seqüência, que Júlio ingeriu grande quanti­dade de corrosivo, mas fora amparado e salvo, submetendo-se a trata­mento na caserna. Não sabendo, porém, su­portar os padecimentos da gar­ganta e do esôfago, bem como as provações morais que o acometeram, ele arrastou-se até às águas do Paraguai, su­pondo encontrar na morte a paz que procurava... (Cap. XVIII, págs. 112 a 114)

 

5.Reencontro com Lina - Em seguida, Amaro informou que, experimen­tando pesados remorsos, perdera a afeição que o algemava à mulher que os atraíra e infelicitara, e fugiu dela, incorporando-se às tropas que iriam combater os derradeiros remanescentes de Solano López, na Cor­dilheira... Terminada a luta, voltou à pátria por outros caminhos, de­cidido a jamais reencontrá-la... Dez anos então se passaram... Nova­mente no Rio, casou-se e foi feliz. Aconteceu no entanto um aconteci­mento inusitado. Numa certa noite de chuva forte, sua esposa e ele tornavam do teatro, quando os cavalos em disparada colheram pobre mu­lher embriagada na via pública... O cocheiro sofreou os animais e ele desceu para socorrê-la: era Lina Flores, que, recolhida ao hospital, por dois dias lutou contra a morte... "A infeliz reconheceu-me -- disse Amaro, -- relacionou as desditas que atravessara, desde que se viu sozinha no Paraguai, esclareceu que viera ao Rio à minha procura e emocionou-me com a narrativa do drama angustioso em que vivia, ten­tando a recuperação da felicidade que perdera para sempre... Morreu revoltada e sofredora, amaldiçoando o mundo e as criaturas..." Nesse ponto, Amaro interrompeu-se, titubeante, enquanto Mário o fixava, en­tre o de­sespero e o pavor. Clarêncio indagou, então, se ele voltou a ver Lina, mais tarde. Um pouco mais aliviado, Amaro narrou: "Ah! sim... reencon­trei-a na vida espi­ritual. Achava-se unida a Júlio em aflitivas con­dições de sofrimento depurador... Compreendi a extensão de meu débito e prometi ressarci-lo... Ampará-los-ia... Auxiliaria os dois na senda terrestre... Luta­ríamos, lado a lado, para conquistar a coroa da re­denção... Sim, sim, o destino!... E' preciso solver os com­promissos do passado, conquis­tando o futuro!..." Amaro calou-se, mas o enfermeiro, apesar de con­tido por Clarêncio, começou a chamar por Jú­lio, emitindo brados terrí­veis. (Cap. XVIII, págs. 114 a 116)

 

6.Em casa de Zulmira - O enfermeiro (que fora Esteves à época dos fa­tos) dizia em alta voz: "Júlio! Júlio! comparece, covarde!" E acres­centava: "Comparece para desmascarar o patife que procura comover-nos! Júlio, odeio-te! Mas é necessário apareças! Acusa teu desalmado assas­sino!..." Júlio, evidentemente, não respondeu à chamada, mas alguém surgiu, surpreendendo a todos. Era a irmã Blan­dina, em pessoa, que, após saudá-los, rogou, humilde: "Irmãos, por amor a Jesus, atendei!... Temos Júlio, sob a nossa guarda. Acha-se do­ente, aflito... Vossos ape­los individuais alteram-lhe o modo de ser... Poderia colocar-se men­talmente ao vosso encontro, contudo, atravessa agora difíceis provas de reajuste... Venho implorar-vos caridade!... Compadecei-vos de quem hoje se esforça por olvidar o que foi ontem para regenerar-se amanhã, com eficiência!..." A vibração do ambiente modificou-se, de súbito. Júlio, o menino doente, era o companheiro de Armando que voltava na condição de filho do amigo com quem outrora se desaviera... Mário Silva, revoltado com a situação, passou a reclamar, de novo: "Anjo ou mulher, não lutarei contra o sortilégio! Não luta­rei! mas preciso arrojar este bandido ao despenhadeiro que merece por suas deslavadas mentiras!... Que Júlio permaneça no céu ou no inferno, sob a custódia dos arcanjos ou dos demônios, todavia, exijo que a ver­dade surja, in­teira!..." Dito isto, ele bradou: "Recorro ao teste­munho de Lina! que Lina compareça! que ela deponha! Se nos achamos aqui, convocados pelo destino que nos algema uns aos outros, que a pérfida mulher seja ou­vida igualmente..." Clarêncio, assumindo a che­fia espiritual do grupo, convidou com brandura: "Lina encontra-se não longe de nós. Entremos". E foi assim que eles penetraram o quarto de Zulmira, a segunda esposa de Amaro, que jazia subjugada por Odila. (Cap. XIX, págs. 117 e 118)

 

7.Esteves revê Lina Flores - Clarêncio enlaçou Mário, como um pai que recolhe um filho, e, apontando a enferma, informou: "Amigo, acalma-te! Lina Flores, atualmente, pa­dece na forja da luta e do sacrifício, a fim de recuperar-se. Apaga a labareda de ódio que te requeima o cora­ção! Deixa que nova compreensão te beneficie a alma ulcerada!... Não nos cabe prejudicar o caminho de quem procura a regeneração que lhe é necessária!..." Mário estava evidentemente espantado e agoniado ante a visão de Lina, que, com imensas dificuldades, tentava alcançar a al­tura do casamento digno e construir os alicerces da missão da ma­ternidade para a qual se encaminhava... "Ajudemo-la com as nossas vi­brações de compreensão e carinho", propôs Clarêncio. "Quando amamos realmente, antes de tudo é a felicidade da criatura amada que nos in­teressa..." O grupo aproximou-se mais, e o Ministro mostrou o rosto da enferma ao enfermeiro, que viu então que Lina Flores era a mesma Zul­mira que ele tanto amava. Clarêncio explicou que Lina voltou em com­panhia de Armando em dolorosas reparações; o consórcio para eles não era um castelo de flores de laranjeira, mas uma associação de interes­ses espirituais para o trabalho regenerativo. "Quer dizer então que Zulmira me traiu duas vezes?", exclamou Mário, cambaleante. Não se tratava de traição, disse o Ministro. Armando, arrependido de sua con­duta no passado, reparava seus erros acolhendo no mesmo teto Júlio e Lina Flores, que reclamava alguém que a recambiasse ao serviço reno­vador, a fim de auxiliar Júlio, devidamente. "Todos somos devedores uns dos outros", asseverou Clarêncio. "As almas aprimoram-se, grupo a grupo, à maneira de pequenas constelações, gravitando em torno do Sol Magno, Jesus-Cristo!..." Do mesmo modo que ele, Esteves, se insinuara entre Lola e Leonardo, Armando também separou Lina e Júlio, estabe­lecendo espinheiros dilacerantes entre os dois. "Nossas ações são pe­sadas na Justiça Divina... Não podemos enganar o Supremo Senhor. Nos­sos débitos, por isso mesmo, devem ser resgatados, ceitil a cei­til...", acrescentou o Ministro. (Cap. XIX, págs. 118 a 120)

 

8.Mário acorda tenso e aflito - Ante as explicações de Clarêncio, Amaro revelava-se disposto a obedecer aos di­tames de natureza supe­rior, fossem quais fossem. Mário não pa­recia, porém, desperto para as verdades trazidas pelo Instrutor. Contemplando a mulher amada, ele de­monstrava-se indiferente. Depois, rugiu, desesperado: "Não posso modi­ficar-me, desgraçado de mim!... Odiarei! odiarei a infame que vol­tou!... Somente a vingança me convém, não quero perdoar! não quero perdoar!..." Enraivecido e inquieto, como uma fera solta, o rapaz er­guia os punhos cerrados contra a desditosa mulher que jazia no leito, enquanto seu veículo espiritual, rodeado de um halo cinzento-escuro, despedia raios desagradáveis e per­turbantes. Clarêncio liberou-o da influência magnética com que lhe tolhia as energias e, reconhecendo-se livre, Mário Silva retrocedeu, exclamando: "Não suporto mais! não su­porto mais!..." E correu para o seio da noite. Clarêncio pediu a André e Hilário que o seguissem, por­quanto ele necessitaria de passes anes­tesiantes para acalmar-se na volta ao corpo denso. Além disso, não po­deria guardar na lembrança a experiência daquela noite, porque a aven­tura provocada pela insistên­cia mental dele mesmo era suscetível de perigosas conseqüências. De volta ao quarto, Mário aderiu ao corpo denso com o auto­matismo da molécula de ferro atraída pelo ímã. O peito arfava, sibi­lante; o coração estava desgovernado, sob o império de in­sopitável arritmia. O enfermeiro foi ajudado com passes magnéticos, mas acordou agoniado, hesitante e trêmulo. O pensamento surgia-lhe atormentado, nebuloso... Ele tentou locomover-se, mas não conseguiu. Parecia chumbado à cama, como um cadáver repenti­namente desperto. Sua­rento, aflito, Mário sentiu-se morrer, e instin­tivamente orou, supli­cando a Proteção Divina. Bastou essa atitude d'alma para ligar-se, com mais facilidade, aos fluidos restauradores que os amigos espirituais lhe administravam. Pouco a pouco, readquiriu os movimentos livres e levantou-se, ingerindo uma pílula calmante. Amedrontado, sentou-se na cama e, com a cabeça entre as mãos, falou de si para consigo: "Estou evidentemente conturbado. Amanhã, consultarei um psiquiatra. E' a minha única solução". De fato, observou André. O ódio gera a loucura. "Quem se debate contra o bem, cai nas garras da perturbação e da morte", aduziu o autor espiritual. (Cap. XIX, págs. 120 a 122)

 

9. Odila apela a Amaro - Em casa de Amaro, este, desprendido do veí­culo denso, conversava com Odila, que abandonara Zulmira por instantes e ajoelhara-se aos pés do esposo, rogando-lhe expulsasse a intrusa, porque esta lhes matara o filho, furtando-lhes a paz. Amaro, muito triste, pare­cia torturado com a presença da primeira mulher, mal-humo­rada e enfu­recida, e perdeu a serenidade que lhe era habitual. Ali, perante a es­posa que lhe dominava os sentimentos, revelava-se mais acessível ao desequilíbrio e à conturbação. Situado entre Odila e Zul­mira, parecia que Amaro dividia-se entre o amor e a piedade. Odila in­sistiu em seus rogos, mas o esposo nada lhe respondeu, assemelhando-se a uma estátua viva, de dúvida e sofrimento. Instado por André, Clarên­cio explicou que não iria interferir naquele problema, porque, se o fizesse, o caso de que cuidavam cresceria demasiado, espraiando-se excessiva­mente no tempo. Era aconselhável, pois, sustentar-se no fio de tra­balho nascido na prece de Evelina. Vendo, porém, que Amaro mani­festava es­tranha aflição, ele afastou-o de Odila, transportando-o para o leito em que seu corpo denso repousava. A pobre mulher tentou agar­rar-se ao marido, clamando, desconsolada: "Amaro! Amaro! não me aban­dones as­sim!" O dono da casa acordou abatido; o relógio assinalava três horas da manhã; ele esfregou os olhos, sonolento, e parecia que ainda ouvia o chamado da mulher, mas nada recordava do encontro e da palestra que tivera com os benfeitores espirituais. Em sua tela mnemô­nica permane­cia apenas a fase última de sua incursão espiritual -- a imagem de Odila implorando socorro... (Cap. XX, págs. 123 e 124)

 

10.Perispírito e pensamento - O grupo rumou de novo ao Lar da Bênção, a pedido da irmã Blandina. No caminho, André perguntou ao Ministro por que Esteves e Júlio, tendo sofrido o suplício do veneno, apresentavam situações tão díspares. O menino ainda trazia a garganta doente, ao passo que o enfermeiro não assinalava nenhuma conseqüência mais grave... A explicação de Clarêncio foi clara: "Esteves foi envenenado, enquanto Júlio se envenenou. Há muita diferença. O suicídio acarreta vasto complexo de culpa. A fixação mental do remorso opera inapreciá­veis desequilíbrios no corpo espiritual. O mal como que se instala nos recessos da consciência que o arquiteta e concretiza". E' por isso que Leonardo, o criminoso, vivia atormentado com a imagem de Esteves, sua vítima, e Júlio sofria ainda os efeitos do erro cometido quase oitenta anos antes. "O pensamento que desencadeia o mal -- asseverou Clarêncio -- encarcera-se nos resultados dele, porque sofre fatalmente os cho­ques de retorno, no veículo em que se manifesta." Júlio chorava muito, infundindo compaixão, e o Ministro informou à irmã Blandina que ele seria conduzido à reencarnação em breves dias. Clarêncio aproveitou então o caso do menino para assinalar a influência do pensamento sobre o perispírito. Este é regido intimamente por sete centros de força, que se conjugam nas ramificações dos plexos e que, vibrando em sinto­nia uns com os outros, ao influxo do poder da mente, estabele­cem um veículo de células elétricas, que pode ser definido como um campo ele­tromagnético, em que o pensamento vibra em circuito fechado. "Nossa posição mental -- elucidou Clarêncio -- determina o peso espe­cífico do nosso envoltório espiritual e, conseqüentemente, o habitat que lhe compete. Mero problema de padrão vibratório. Cada qual de nós respira em determinado tipo de onda. Quanto mais primitiva se revela a condi­ção da mente, mais fraco é o influxo vibratório do pensamento, indu­zindo a compulsória aglutinação do ser às regiões da consciência em­brionária ou torturada, onde se reúnem as vidas inferiores que lhe são afins". Clarêncio acrescentou que o crescimento do influxo mental, no veículo perispiritual, está "na medida da experiência adquirida e ar­quivada em nosso próprio espírito". "Atentos a semelhante realidade, é fácil compreender que sublimamos ou desequilibramos o delicado agente de nossas manifestações, conforme o tipo de pensamento que nos flui da vida íntima." (Cap. XX, págs. 125 e 126)

 

11.Os centros de força - Clarêncio tornou claro que quanto mais a criatura se eleva, no rumo das gloriosas construções do Espírito, maior é a sutileza do corpo espiritual, que passa a combinar-se facil­mente com a beleza, com a harmonia e a luz reinante na Criação Divina. "Tal seja a viciação do pensamento, tal será a desarmonia no centro de força, que reage em nosso corpo a essa ou àquela classe de influxos mentais", esclareceu o Ministro, que detalhou, na seqüência, a fisio­logia do perispírito, regido por sete centros de força, comandados pelo "centro coronário", considerado pela filosofia hindu como sendo o "lótus de mil pétalas", por ser o mais significativo em razão do seu alto potencial de radiações, de vez que nele assenta a ligação com a mente e é ele que recebe em primeiro lugar os estímulos do Espírito. Dele emanam as energias de sustentação do sistema nervoso e suas sub­divisões, como responsável que é pela alimentação das célu­las do pen­samento e provedor de todos os recursos eletromagnéticos in­dispensáveis à estabilidade orgânica. O "centro coronário" é, por isso, o grande assimilador das energias solares e dos raios da Espiri­tualidade superior capazes de favorecer a sublimação da alma. Logo após, vem o "centro cerebral", contíguo ao primeiro, que ordena as percepções de variada espécie, percepções essas que, na carne, consti­tuem a visão, a audição, o tato e a vasta rede de processos da inteli­gência que dizem respeito à palavra, à cultura, à arte, ao saber. Em seguida, temos o "centro laríngeo", que preside aos fenômenos vocais, inclusive às atividades do timo, da tireóide e das paratireóides. Logo após, o "centro cardíaco", que sustenta os serviços da emoção e do equilíbrio geral; o "centro esplênico", correspondendo no corpo denso ao baço, regulando a distribuição e a circulação adequada do recursos vitais; o "centro gástrico", que se responsabiliza pela penetração dos alimentos e fluidos em nossa organização e, por fim, o "centro gené­sico", em que se localiza o santuário do sexo, como templo modelador de formas e estímulos. (Cap. XX, págs. 126 a 128)

 

12.Como Júlio se harmonizará - Após asseverar que nosso veículo su­til, tanto quanto o corpo denso, "é criação mental no caminho evolu­tivo", Clarêncio afagou a garganta doente de Júlio, e aduziu: "Quando a nossa mente, por atos contrários à Lei Divina, prejudica a harmonia de qualquer um desses fulcros de força de nossa alma, naturalmente se escraviza aos efeitos da ação desequilibrante, obrigando-se ao tra­balho de reajuste. No caso de Júlio, observamo-lo como autor da per­turbação do centro laríngeo, alteração que se expressa por enfermidade ou desequilíbrio a acompanhá-lo fatalmente à reencarnação". E como ele sanará tal deficiência? A essa pergunta de André, Clarêncio respondeu: "Nosso Júlio, de atenção encadeada à dor da garganta, cons­trangido a pensar nela e padecendo-a, recuperar-se-á mentalmente para retificar o tônus vibratório do centro laríngeo, restabelecendo-lhe a normalidade em seu próprio favor". E ajuntou: "Júlio renascerá num equipamento fi­siológico deficitário que, de algum modo, lhe retratará a região le­sada a que nos reportamos. Sofrerá intensamente do órgão vocal que, sem dúvida, se caracterizará por fraca resistência aos as­saltos micro­bianos, e, em virtude de o nosso amigo haver menosprezado a bênção do corpo físico, será defrontado por lutas terríveis, nas quais aprenderá a valorizá-lo". De retorno ao círculo de trabalho e de estudo, André estava encantado com os esclarecimentos de Clarêncio acerca do peris­pírito, que era preciso, evidentemente, aprofundar. De fato, diz An­dré, na vida espiritual passamos a apreciar, com mais segurança, o corpo abandonado à terra, mas "somos desafiados pe­los enigmas do novo instrumento que passamos a utilizar". Hilário, por sua vez, estava também ansioso por novas informações a respeito. (Cap. XX, págs. 128 e 129; cap. XXI, pág. 130)