Ordm; LIVRO - ENTRE A TERRA E O CÉU 11 страница

 

9.Um casamento feliz - Enquanto Amaro falava, Mário ia rememorando a conduta e os gestos da jovem viúva. O valor e a humildade com que ela afrontava os mais difíceis problemas da vida tocavam-lhe as fibras re­cônditas do ser. O sacrifício pelos filhos, o desprendimento das futi­lidades, a solidariedade humana com que pautava suas relações com o próximo e, sobretudo, seu caráter cristalino, de que dava provas em todos os lances da vida comum, apareciam, naquele momento, em sua ima­ginação, de modo diferente... Longos momentos passou, assim, revivendo e meditando o passado. Depois, como se despertasse de longa fuga men­tal, encarou o amigo e lhe disse: "Amaro, tens razão. Não posso deso­bedecer ao comando da vida". Nesse ponto Antonina e os filhos chega­ram, e tal fato monopolizou as atenções de todos, que estavam muito felizes. Passados alguns dias, amigos espirituais de Antonina levaram a André e Clarêncio as notícias do contrato promissor. Mário e a jovem viúva esperavam casar-se em breves dias, o que de fato aconteceu, em casa de Amaro e Zulmira, que gentilmente ofereceram seu lar para a ce­rimônia civil, realizada na mais absoluta simplicidade. Muitos Espíri­tos acorreram à residência de Amaro, inclusive as freiras que consa­gravam ao enfermeiro particular estima. A casa estava repleta de pes­soas amigas. Ò noite, na casinha singela de Antonina, reuniram-se quase todos os convidados, novamente. Os recém-casados queriam orar, em companhia dos laços afetivos, agradecendo ao Senhor a ventura da­quele dia inolvidável. O lar humilde jazia tomado de entidades afetuo­sas e iluminadas, inspirando entusiasmo e esperança, júbilo e paz, para os noivos. Na sala estreita e lotada, um velho tio da noiva le­vantou-se e dispôs-se à oração. O Ministro abeirou-se dele e afagou-lhe a cabeça, e, no abençoado calor da inspiração com que Clarêncio lhe envolvia a alma, o familiar de Antonina pronunciou comovente roga­tiva a Jesus, suplicando-lhe auxiliasse a todos na obediência aos seus divinos desígnios. Terminada a prece, Haroldo, Henrique e Lisbela, vestidos de branco, distribuíram licores e guloseimas. Nesse instante, viu-se que Evelina, no fulgor de sua primavera juvenil, aceitava a proteção carinhosa de um rapaz que a fitava, enamorado. Era Lucas, ir­mão de Antonina, que morava na capital paulista e em breve se casa­ria com a primogênita de Amaro. (Cap. XXXVIII, págs. 252 a 254)

 

10.A vida deve ser plena de trabalho - Passado um mês sobre os espon­sais de Silva, certa noite, por solicitação de Odila, o grupo socor­rista foi em busca de Zulmira e Antonina para uma reunião íntima, no Lar da Bênção. A viagem das duas amigas foi feita em clima de muita alegria. Reduzida assembléia de amigos as aguardava no lar de Blan­dina, inclusive Irmã Clara. Parecia às duas visitantes encarnadas que ali encontravam o paraíso. No recinto amplo que Blandina adornara de flores, trocavam-se frases amigas e consoladoras impressões, quando Antonina, mais lúcida e mais preparada que a companheira, indagou pela ra­zão do favor de que se viam aquinhoadas. Clara afagou-a, de leve, e explicou: "Filhas, em nossa romagem na vida, atravessamos épocas de sementeira e fases de colheita. Na missão da mulher, até agora, vocês receberam do tempo os choques e os enigmas plantados a distância. Com a humildade e a fé, com o bom ânimo e o valor moral, venceram árduos conflitos que lhes fustigavam as melhores aspirações. Foram dias obs­curos do pretérito refletidos no presente, contudo, agora, asserenou-se-lhes a estrada. A paciência a que se devotaram evitou a formação de nuvens da revolta e o céu se fez, de novo, claro e alentador. E' como se o dia renascesse, resplendente de luz. O campo da existência exige mais trabalho e o tempo de semear ressurge alvissareiro". A palestra em torno cessara de repente. Os circunstantes buscavam ouvir a Irmã Clara, mostrando, com o silêncio, que nela se encarnava, para todos, a sabedoria. A nobre instrutora, então, continuou: "Agora, que a oportu­nidade favorece a renovação, é preciso saber reconstruir o destino. Não olvidemos. A vida reduz-se a triste montão de trevas, quando não se faz plena de trabalho. Fujamos à velha feira da lamentação onde a inércia vende os seus frutos amargosos! Para levantar, porém, a escada de nossa ascensão, é imprescindível banhar o espírito, cada dia, na fonte viva do amor, do amor que recompensa a si mesmo com a alegria de dar!" E, após dizer que o Pai Celeste é onipresente, através do amor de que satura o Universo, concluiu: "Do Trono Excelso nasce o eterno manancial que sustenta o anjo na altura e alimenta o verme no abismo. A mulher é uma taça em que o Todo-Sábio deita a água milagrosa do amor com mais intensidade, para que a vida se engrandeça. Irmãs, sejamos fiéis ao mandato recebido". (Cap. XXXIX, págs. 255 a 257)

 

11.Ninguém avança sem saldar as contas - Irmã Clara esclareceu que em muitas ocasiões, quando nos prendemos à lama do egoísmo ou ao visco do ódio, poluímos o líquido sagrado, transformando-o em veneno destrui­dor. E' preciso, pois, guardar cautela. "O preço da verdadeira paz re­side no sacrifício de nossas existências. Não há sublimação sem renún­cia no castelo da alma, como não há purificação no cadinho, sem o con­curso do fogo que acrisola os metais!", asseverou a benfeitora espiri­tual. Clara, depois de explicar que Zulmira, mesmo sem a recordação do passado, já estava consciente do dever de asilar o pequeno Júlio no santuário doméstico, dirigiu-se a Antonina, indagando se ela se recor­dava de suas experiências anteriores e se continuava atenta às razões que lhe inspiraram o matrimônio com Mário Silva. Ante a surpresa da interpelada, a instrutora acariciou-lhe a fronte, de leve, e repetiu: "Lembre-se! lembre-se!..." Bafejada pelo poder de Irmã Clara, em de­terminados centros da memória, Antonina fez-se pálida e exclamou, con­trolando a própria emoção: "Sim, sou eu a cantora! Revejo, dentro de mim, os quadros que se foram!... Os conflitos no Paraguai!... Uma chá­cara em Luque!... a família ao abandono!... José Esteves, hoje Má­rio... Sim, percebo o sentido de minhas segundas núpcias!..." Em se­guida, denotando aflição no olhar, acrescentou: "E Leonardo? onde está Leonardo, o infeliz?" Clara advertiu, com bondade: "Não precisa dila­tar reminiscências; não nos achamos num gabinete de experimentos e sim numa reunião fraternal". "Basta que você se recorde." Em seguida, ela resumiu para as duas amigas o programa reencarnatório que se esboçara. Zulmira receberia Júlio, outra vez, como filho. Antonina seria mãe de Leonardo Pires, seu avô e associado do destino. "No santuário domés­tico -- elucidou Clara --, as afeições transviadas se recompõem, a fim de que possamos demandar o futuro, ao clarão da felicidade. Filhas, ninguém avança sem saldar as próprias contas com o passado". (Cap. XXXIX, págs. 257 e 258)

 

12.A importância da família - Irmã Clara mostrou às duas mulheres a importância do lar e da família: "Identifiquemos no lar humano o ca­minho de nossa regeneração! A família consangüínea na Terra é o micro­cosmo de obrigações salvadoras em que nos habilitamos para o serviço à família maior que se constitui da Humanidade inteira. O parente neces­sitado de tolerância e carinho representa o ponto difícil que nos cabe vencer, valendo-nos dele para melhorar-nos em humildade e compreensão. Um pai incompreensivo, um esposo áspero ou um filho de condução in­quietante, simbolizam linhas de luta benéfica, em que podemos exerci­tar a paciência, a doçura e o devotamento até ao sacrifício!... Espe­cialmente, no tocante aos filhos, não nos esqueçamos de que pertencem a Deus e à vida, acima de tudo!..." Na seqüência, Clara aludiu à bên­ção que representa o esquecimento do passado, na esfera carnal. Esse esquecimento é compensado, no entanto, com o sopro renovador de aben­çoada esperança que todos sentimos quando se recebe um filho. Não po­demos olvidar que os filhos são sempre laços preciosos da existência, a nos requisitar equilíbrio e discernimento em todas as decisões. E' imprescindível, pois, para desobrigar-nos da grande tarefa que a ma­ternidade nos impõe, entender-lhes o psiquismo diferente do nosso, a exigir, muitas vezes, um tipo de felicidade que não se harmoniza com o nosso modo de ser. "Saibamos, assim, prepará-los, sem egoísmo, para o destino que lhes compete! O carinho escravizante -- asseverou a ins­trutora -- assemelha-se a um mel envenenado, enredando-nos na sombra. Conservemos nosso espírito arejado pela justiça, para que a nossa afe­tividade seja uma bênção com a possibilidade de educar os que nos cer­cam, na escola do trabalho salutar!..." Zulmira, aproveitando a pausa que se fez espontânea, perguntou-lhe como agir para solucionar os pro­blemas com segurança. Clara respondeu que ambas haviam superado dias alarmantes de crise espiritual e conquistaram o ensejo de reestrutura­ção do próprio destino. Agora era tempo de semear. "Valorizemos a oportunidade de reaproximação", conclamou a instrutora. "São vocês dois núcleos de força, suscetíveis de operar valiosas transformações nos grupos domésticos a que se ajustam. Façamos da amizade o entendi­mento fraterno que tudo compreende e tolera, movimenta e ajuda, na ex­tensão do Sumo Bem. A vizinhança e a convivência, no fundo, são dons que o Senhor nos concede a benefício de nosso próprio reajuste." Como ambas ensaiassem novas perguntas, Clara acentuou: "Não temam. A prece é o fio invisível de nossa comunhão com o Plano Divino e, à luz da oração, viveremos todos juntos. Em todas as dúvidas, prefiramos para nós a renunciação construtiva". "Situar a responsabilidade de nosso lado é facilitar a solução dos problemas." (Cap. XXXIX, págs. 258 a 260)

 

13.Evelina se casa - Um ano depois do casamento de Antonina, André e seus amigos dirigiram-se à residência de Amaro. Júlio e Leonardo ha­viam renascido em paz, quase que ao mesmo tempo, trazendo ao mundo elevados programas de serviço. Recém-chegados à Terra, sorriam inge­nuamente para nós, conchegados ao colo materno. Seus pais prosseguiam juntos, entrelaçados na mesma compreensão fraternal. Celebrava-se na­quela oportunidade o matrimônio de Lucas e Evelina, e nos dois planos, entre encarnados e desencarnados, tudo era esperança e alegria, paz e amor. Odila, na função de sacerdotisa do lar, ia e vinha, pondo e dis­pondo na direção do acontecimento. No instante em que os noivos troca­ram as alianças e se beijaram com inexcedível afeto, Odila, em muda oração, se transfigurou, coroando-se de luz, e contemplou a filha, em­bevecida. Obedecendo, porém, a secreto impulso, ao invés de ca­minhar na direção de Evelina, dirigiu-se para Zulmira, enlaçando-a em lágri­mas. Havia naquele gesto tanto carinho e tanto reconhecimento, que in­tensa emotividade tomou de assalto André e seus amigos. Transfundiam-se ali dois corações maternos, na mesma vibração de paz, haurida na vitória interior pelo dever bem cumprido. Envolta na faixa de ternura em que se via mergulhada, a segunda esposa de Amaro começou a chorar, possuída de inexprimível contentamento, como se articulada melodia do Céu lhe invadisse, por inteiro, o coração. Foi então que Antonina, a pedido do pai de Evelina, pronunciou uma prece de agradecimento a Je­sus. Cerrando as pálpebras, ela concentrou-se, semelhando-se a antena vibrátil atraindo a onda sonora. Clarêncio abeirou-se dela e, tocando-lhe a fonte com a destra, entrou em medita­ção. Ela então orou, com sentida inflexão de voz: "Amado Jesus, abençoa a nossa hora festiva que te oferecemos em sinal de carinho e gratidão. Ajuda aos nossos companheiros que hoje se consorciam, con­vertendo-lhes a esperança em doce realidade. Ensina-nos, Senhor, a re­ceber no lar a cartilha de luz que nos deste no mundo -- generosa es­cola de nossos corações para a vida imortal. Faze-nos compreender, no campo em que lutamos, a rica sementeira de renovação e fraternidade em que a todos nos cabe apren­der e servir. Que possamos, enfim, ser mais irmãos uns dos outros, no cultivo da paz, pelo esforço no bem. Tu que consagraste a ventura do­méstica, nas bodas de Canaã, transforma a água viva de nossos sentimen­tos em dons inefáveis de trabalho e alegria. Reflete o teu amor na simplicidade de nossa existência, como o Sol se retrata no fio d’água humilde. Guia-nos, Mestre, para o teu coração que anelamos eterno e soberano sobre os nossos destinos, e que a tua bon­dade comande a nossa vida é o nosso voto ardente, agora e para sempre. Assim seja". (Cap. XL, págs. 261 a 263)

 

14.O trabalho é a nossa lição - Após a prece, doce exaltação emotiva pairava em todos os semblantes. Odila, sensibilizada, reunia Amaro e Zulmira nos braços, quais se lhe fossem filhos do coração. Fitando, nesse momento, Antonina, André lembrou-se da primeira vez que estivera em sua casa, para levá-la ao Lar da Bênção. Ele não podia imaginar, na época, a importância que aquela mulher teria no drama que todos iriam viver. Clarêncio, porém, sabia: "Sim, sim... -- informou, gentil --, mas não lhes dei a conhe­cer antecipadamente a significação dela no ro­mance vivo que estamos acompanhando, porque todos nós, meu amigo, pre­cisamos reconhecer que o trabalho é a nossa lição. Movamos a mente no serviço que nos compete e adquiriremos a chave de todos os enigmas". Finda a festa, Irmã Clara, então abraçada a Odila, convidou o grupo a regressar à colônia. A história terminaria, assim, com um casamento risonho, à moda de um filme bem acabado? A essa pergunta de André, Clarêncio respondeu: "Não, André. A história não acabou. O que passou foi a crise que nos ofereceu motivo a tantas lições. Nossos amigos, pelo esforço admirável com que se dedicaram ao reajuste, dispõem agora de alguns anos de paz relativa, nos quais poderão replantar o campo do destino. Entretanto, mais tarde, voltarão por aqui a dor e a prova, a enfermidade e a morte, conferindo o aproveitamento de cada um. E' a luta aperfeiçoando a vida, até que a nossa vida se harmonize, sem luta, com os Desígnios do Senhor". A caravana espiritual, constituída por dezenas de compa­nheiros, iniciou a volta. A viagem, diante do fir­mamento que acendia flamejantes lumes, não podia ser mais bela... Che­gados, porém, ao Lar da Bênção, viu-se que Odila chorava copiosamente. Aquela alma varonil de mulher vencera a batalha consigo mesma, mas não parecia satisfeita com o próprio triunfo. Irmã Clara conseguira-lhe brilhante posição de trabalho nas esferas mais altas, todavia Odila revelava-se em penosa consternação. (Cap. XL, págs. 263 e 264)

 

15. O céu fulgura onde está o nosso amor - Penetrando o santuário de Blandina, o Ministro abraçou a primeira esposa de Amaro, indagando: "Odila, enquanto celebramos tua vitória, dize que céu procuras!" Ela caminhou para Irmã Clara e bei­jou-lhe a destra; depois, voltando-se para Clarêncio, respondeu com humildade: "Devotado benfeitor, meu lar terrestre é o meu paraíso..." O instrutor replicou: "Mas não ignoras que o domicílio do mundo não te pertence mais". "Sim -- concordou Odila, respeitosa --, sei disso, en­tretanto, desejo servir a ele, sem que ele seja meu... Amo meu esposo por inesquecível companheiro da vida eterna, abençoando a admirável mulher a quem ele agora pertence e que passei a querer por filha de minha ternura... Amo meus filhos, apesar de saber que não podem pre­sentemente sentir o calor de meu co­ração... Deus sabe que hoje amo sem o propósito de ser amada, que me proponho oferecer-me sem retribuição, a fim de aprender com Jesus a dar sem receber..." A emoção embargou-lhe a voz. Os demais tinham tam­bém os olhos marejados de pranto. Visi­velmente comovido, Clarêncio le­vantou-lhe a fronte submissa, afagou-lhe os cabelos e, colocando-lhe uma flor de luz sobre o peito, excla­mou: "Onde permanece o nosso amor, aí fulgura o céu que sonhamos. Me­reces o paraíso que procuras. Re­torna, Odila, ao teu lar quando quise­res. Sê para o teu esposo e para as almas que o seguem o astro de cada noite e a bênção de cada dia! O amor puro outorga-te esse direito. Volta e ama... E, quando te ergue­res do vale humano, teu coração será como faixa de sol, trazendo ao Cristo os corações que pastorearás no campo imenso da vida!" Odila ajoelhou-se e beijou-lhe as mãos venerá­veis. Nesse instante, André ex­perimentou funda saudade. Experimentou então a sensação do pai que busca inutilmente os filhos arrebatados ao seu carinho. Lágrimas quen­tes derramaram-se de seus olhos e ele buscou um jardim próximo, onde o vento que soprava parecia dizer-lhe: "Confia!", enquanto o perfume das flores apelava, em silêncio: "Não te detenhas!", e as constelações faiscantes o concitavam, sem palavras: "Luta e aperfeiçoa-te! A pleni­tude do teu amor brilhará também um dia!" (Cap. XL, págs. 265 e 266)

 

Londrina, 16/10/1995.